Deus, nos dias de hoje, está colocado na periferia da existência humana. Ele está posto na margem da vida humana. Lá, onde a capacidade da pessoa não pode alcançar. Lá, onde os recursos humanos não podem auxiliar. Lá, onde residem as causas impossíveis. Onde doença, solidão, desespero se apresentam como obstáculos intransponíveis. Onde nada e ninguém são capazes de prover alguma solução, dar algum alívio. É para essas bordas do viver cotidiano que Deus foi empurrado. É para esses limites da vida que Deus foi relegado.
Quando a existência humana se encontra no limiar da catástrofe, ou quando mesmo já aconteceu então Deus é invocado. Quando o poço escuro parece não ter fundo, dai se podem ouvir, então, os gritos de socorro pelo nome de Deus.
Deus, hoje, parece conviver diariamente apenas na companhia dos que transitam pelo vale da sombra e da morte. Parece que Deus é o último recurso, e como último, só é lembrado por último. Como dizem alguns, um "deus ex machina" que funciona como uma máquina, acionada pelo controle remoto dos desesperados.
É certo que o Senhor se faz presente nas franjas da vida humana. O que não é certo é que Ele se faça presente somente nessas situações extremas.
O Salmo 139 é um belo exemplo do lugar que ocupa o Senhor na existência humana: o centro. Exatamente o centro da vida.
Com variações entre a profundidade e a sublimidade, o poema vai destilando a presença do Senhor no centro da existência humana.
Presença diária do Senhor (vv. 1-6)
"Tu me examinaste e me conheces". O conhecimento de Deus, neste caso, se constitui num relacionamento com a pessoa. Não é um assentimento intelectual, como quem apenas está informado de algo. Não! O "me conheces" se revela na companhia do Senhor junto ao seu servo. É como dizemos, um conhecimento "de causa", isto é, um saber estar junto, um convívio diário.
Este convívio se manifesta a cada momento. No momento em que assentamos ou levantamos (v.2). Já ainda distante, o Senhor conhece os nossos próprios pensamentos. Pensamentos que ainda não foram vertidos em palavras, mas de todas o Senhor já tem conhecimento. Ao trilhar as mesmas sendas conosco, o Senhor está atento a cada passo que damos ao longo do dia, até a hora de deitarmos. E estar "atento" é ter os olhos nos quadrantes do nosso viver diário. Neste convívio, o Senhor nos sitia. Na verdade o Senhor já nos sitiou desde longa data. Cercou-nos por diante, por detrás, pelo lado e por cima. O Senhor ocupa todas as posições. Em uma palavra: está no centro. Ocupa o centro de nossas vidas colocando sua “mão espalmada sobre nós".
Em cada gesto favorável do Senhor há sabedoria. Em toda sua generosa atenção há sabedoria. Sabedoria profunda e elevada. Sabedoria maravilhosa. Tão profunda que não podemos alcançar. Tão elevada que não podemos atingir.
Os cuidados do Senhor se mostram no conhecimento, que Ele tem acerca de nós. Mostram-se no olhar atento que dispensa aos nossos passos. Mostram-se na mão espalmada sobre nós.
Quem pode alcançar tal sabedoria? Qual de nós pode atingir tal sabedoria?
Presença no centro espacial (vv. 7-12)
Por isso perguntamos: Para onde poderíamos ir para nos ocultarmos do Espírito do Senhor? Para qual dos pontos cardeais seria possível fugirmos da face do Senhor?
Se imaginarmos tomar as asas da alvorada e subir aos mais altos céus, lá o encontramos. Se imaginarmos que podemos fazer nossa habitação no mais longínquo e profundo mar, lá também nos deparamos com o Senhor. Seja no alto e vasto céu ou no profundo e remoto oceano, nosso encontro com Deus nos mostra que suas mãos bondosas estão a nos guiar. E sua destra provedora a nos sustentar.
Poderíamos também imaginar outra situação: E se fossemos para o meio das trevas, para um lugar de escuridão. Será que ai conseguiríamos nos ocultar do Senhor? Certamente que não. Pois, a face reluzente do Senhor torna as trevas, luz e a noite, dia claro. A escuridão resplandece como sol. Não há trevas na presença do Senhor.
Por isso respondemos: Não há como se ausentar, em qualquer lugar que seja, da companhia do Senhor. Companhia que guia. Companhia que sustenta. Companhia de cuidados.
Presença no centro temporal (vv. 13-18)
O Senhor ocupa o centro da vida humana. O centro espacial, e também o centro temporal. Nas expressões do verso 13: "Formastes os meus rins" e "Mantiveste-me abrigado no ventre da minha mãe", encontramos a transição entre o centro espacial (vv. 7-12) e o centro temporal (vv. 14-18).
Há, a esta altura do Salmo, uma voz de gratidão ao Senhor, visto que Ele "de forma assustadoramente maravilhosa formou o ser humano". Obra maravilhosa. E o sabemos muito bem. Por isso nossos lábios se juntam à voz do salmista para dar muitas graças.
Relembramos um tempo na presença do Senhor, do qual só tivemos conhecimento muito depois: o tempo da nossa gestação. O tempo no qual fomos entretecidos no profundo mar amniótico. Lá, onde estávamos ocultos dos olhos de quase todos, mas não dos olhos do Senhor. Quando em estágio embrionário, nossos ossos iam sendo formados. E dia a dia, sob o olhar atento de Deus, a massa informe ia sendo modelada. E células, e tecidos e órgãos, lentamente tomavam forma de corpo humano. Cuidadoso, o Senhor ia fazendo como que um diário, anotando, cada divisão celular. Ia registrando cada detalhe do nosso desenvolvimento.
Por isso exclamamos: Poxa vida! Como são impenetráveis, Senhor, os teus pensamentos. A tua devoção em cuidar de nós desde embriões é insondável. Enumerar teus feitos é impossível. Se houvesse uma maneira de fazê-lo, ao término, por mais que demorasse, ainda estaríamos sob os teus cuidados.
É assim que Deus ocupa o centro da existência humana espaço e temporalmente.
Conclusão (vv. 23-24)
Considerar que Deus está no centro da existência é testemunhar que o Senhor não pode ser empurrado para a margem da vida. É testificar que Deus participa ativa e atentamente da trajetória humana. É proclamar a boa nova de que o Criador da humanidade mantém seus olhos atentos para cuidar da sua criação.
Portanto, tendo em conta que o Senhor está no centro de nossa existência, continuamos a clamar: Examina-nos Senhor, pois tens um vasto e profundo conhecimento de nossas vidas. Senhor tu conheces o nosso coração. Faça um teste e desvela os nossos pensamentos. Dê uma boa olhada em nós, pois é possível que haja algum caminho errado ou penoso ou pernicioso. Se houver, guia-nos para o caminho reto. E se não houver, continue a nos guiar pelo caminho eterno sob os teus cuidados, Senhor!
Rev. Dr. José Roberto Cristofani
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