Introdução
Vivemos em um período de manifestações espetaculares. Vivemos em um período no qual todas as coisas tomam proporções que muitas vezes não têm. Fruto dos meios de comunicação. Fruto do poder do marketing, que engrandece produtos, pessoas, acontecimentos e coisas.
E em meio a essas manifestações, parece que nada mais nos surpreende. Estamos tão acostumados a ver e ouvir grandes acontecimentos que do dia para a noite tomam as páginas dos jornais e a tela da televisão, que já não prestamos mais atenção no que realmente importa. Já não prestamos atenção às coisas pequenas, tidas como insignificantes.
Em vista disso é importante meditar no Deus que Surpreende. No Deus que se manifesta de forma surpreendente. E é isto que vemos no texto de 1 Reis 19.1-18: uma página do ministério do profeta a Elias. Muitos de nós, desde a mais tenra idade, ouvimos grandes histórias deste que consideramos um herói da fé. Um herói bíblico.
O ciclo de Elias, isto é, a narrativa da trajetória do profeta Elias nos traz muitos aspectos de uma vida dedicada ao Senhor. De uma vida de vitórias. Uma vida pautada nos princípios do Deus de Israel. Mas não menos que uma vida humana. Sim, uma vida nos limites da condição humana.
Elias em uma situação limite
No texto, Elias está numa situação limite. Elias está, podemos dizer, em um beco sem saída. Elias, o profeta fiel à aliança do Senhor Deus, está conturbado. Ele se encontra em uma situação de extrema gravidade. Por um lado, ele está ameaçado de morte pelos profetas de Baal, como pode ser visto no capítulo anterior (1 Reis 18.20ss). Por outro lado, está jurado de morte pela então rainha Jezabel, mulher de Acabe, rei de Israel. Aos profetas de Baal, morte. Elias sai vitorioso. Mas contra o poder de Jezabel o profeta nada pode. Elias está à mercê deste poder. Está com sua vida ameaçada. Elias está com a sua vida por um triz. Está na corda bamba.
O texto apresenta o estado de ânimo de Elias, como desolador. Não quero e não tenho condições para fazer uma análise psicológica da situação. Todavia, as palavras da narrativa denotam um momento de desconsolo, um momento de descaracterização do ser humano. Elias está pedindo a morte (verso 4). Tragicamente o profeta, que sozinho há pouco havia zombado e derrotado os 400 profetas de Baal (1 Reis 18.20ss), agora pede a morte. Encontramos Elias em uma situação de tristeza, de amargura, de perseguição, de dor. Pedindo para si a morte numa situação limite. Elias parece ter bem claro que a saída desse beco é a sua própria sepultura. E a saída não é pela esquerda ou pela direita ou pela frente, mas para baixo, para dentro de uma cova. A única possibilidade que o profeta vê é a morte. E a única coisa que Elias pode pedir é a morte. Não pede livramento, nem ajuda, mas tão somente a morte. Sentou-se embaixo de um arbusto e pediu para si a morte.
Elias não é um único a ter essa experiência de pedir para si a morte. Jó teve a mesma experiência (Jó 3). Jeremias tem a mesma experiência (Jeremias 20). Em uma situação de extrema gravidade como a de Elias, em uma situação de sofrimento como Jó, em uma situação de perseguição como Jeremias, eles pedem para si a morte. É uma situação desesperadora. Mas é graças a Deus que Elias está nesta situação. É graças à palavra de Javé, é graças ao seu ministério profético, é graças a sua luta política, religiosa e civil que ele está nessa situação. Uma situação de desolação, uma situação limite.
Ele deita, angustiado, e só faz dormir. Um anjo o acorda uma vez e o alimenta e ele volta a dormir. Uma situação de espera. Elias está em compasso de espera, pois orou e está esperando uma resposta de Deus. Porque é um homem acostumado orar. Um homem acostumado a pedir e ouvir uma resposta. A orar e acontecer. E ele está aguardando. E a resposta vem na direção contrária. – Elias, levanta-te, e come! Fortifica-te, porque o caminho que tens pela frente é longo. (verso 7). E Elias vai para o Horebe.
Elias no monte Horebe
As montanhas no Antigo Testamento, e em todo o Antigo Oriente, eram consideradas a habitação dos deuses. O lugar onde se pode encontrar Deus. E o Senhor é o Deus que se manifesta não apenas nos montes, mas fora deles também. E encontramos o Senhor nosso Deus no Sinai, no Horebe, no Sião, no Hermom.
Elias se dirige para o Horebe. É interessante, no texto, o fato de que Elias tendo que ir para o caminho de Damasco, se dirija para o Horebe. Porque existe uma fórmula bastante eficaz de se fugir de Deus, para se esconder: É se por em evidência. E Elias, fugindo de Deus e pedindo a morte, vai justamente para o monte que o Senhor vai se manifestar.
E entra numa caverna. Passa a noite. E nesta caverna, escondido, com medo, Elias está apavorado com a possibilidade de ser humilhado e morto por Jezabel. É melhor morrer, antes do que se entregar com vida nas mãos dos inimigos. Porque derrotado o servo, seu senhor também estará derrotado. Derrotado Elias, o Senhor também estará. E com medo, e temor, e tremor Elias vai para dentro da caverna no monte Horebe. Escondendo-se, e fugindo do seu ministério, do seu trabalho, da sua vida. E é nessa caverna que a palavra do Senhor lhe vem.
– Que fazes aqui Elias? (verso 9). O que você está fazendo aqui Elias? O caminho é longo. O caminho é em direção a Damasco. É necessário coroar um rei. É necessário ungir um profeta. É necessário viver a vida cotidiana, voltar à vida pública, à política, ao ministério, à carreira proposta. E você dentro da caverna. Que fazes aqui Elias? E a resposta é uma confissão de fé: – Senhor, eu tenho sido zeloso ... os filhos de Israel deixaram a aliança, derribaram os altares, e mataram os profetas e eu fiquei só e procuram tirar a minha vida. (verso 10). Isso parece plenamente justificável. Qual de nós humanos conscientes da nossa condição, do nosso limite não entraria também e se esconderia em uma caverna. Estrategicamente é a melhor coisa a fazer: Esconder-se até que a tempestade passe. Até que a ameaça se dissipe. Até que tudo volte ao normal. Mas o texto vai mostrando que a vida só voltará ao normal com suas lutas e com suas dificuldades. A vida só voltará ao normal se Elias puder caminhar novamente. Se Elias puder cumprir a sua missão. Se Elias puder ir adiante.
Deus surpreende Elias
E começam as demonstrações às quais Elias estava acostumado. – Dispõe-te e vai à porta da caverna, Elias. E o Senhor passará diante de ti. Eis que o Senhor passava e um grande e forte vento despedaçava as penhas diante dele. Porém o Senhor não estava no vento. Depois do vento, um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto. Depois do terremoto um fogo, mas o Senhor não estava no fogo. E depois do fogo um cicio tranqüilo e suave. (versos 11-12). Vento, terremoto, fogo são elementos da Teofania de Deus no Antigo Testamento. É assim que Deus se manifesta. Para Moisés ... – tira as sandálias dos pés porque o lugar onde estás é santo. E a sarça ardia e não se consumia. Trovão, tempestade, saraiva, fogo e granizo faziam parte da maneira de Deus se manifestar. Elias estava acostumado com essas manifestações de poder. Um vento forte que fendia a pedra, abalava os montes. Era uma manifestação espetacular, como fogo e fumaça. Se atualizados para os dias de hoje seria com fogos de artifício, ribombar de trovões e banda marcial. Deus se manifestava ao seu povo, que estava acostumado a vê-lo poderosamente através do fogo, do terremoto, das grandes vagas, das grandes ondas. Um poder de manifestação só conhecido pelos que participaram dessa história.
Mas surpreendentemente o Senhor não está no vento. Surpreendentemente Deus não está no terremoto. Surpreendentemente o Senhor Deus não está no fogo. Elias vai ouvir a voz de Deus numa brisa leve. O Senhor, surpreendentemente, passa numa brisa leve. Nem vento, nem terremoto, nem fogo, nem grandes águas, mas uma brisa. Uma brisa que Elias pode sentir na sua face. Uma brisa de calma, de paz, de tranqüilidade. Em uma brisa leve está o Senhor. Está se manifestando de uma forma inusitada, de uma forma até então desconhecida, de uma forma surpreendente. Deus se manifesta de forma surpreendente. E para Elias, acostumado a manifestações de poder, de glória, de fogo, de fumaça, como vira no capítulo anterior quando desceu fogo e consumiu o holocausto. E as chamas lamberam a água que estava ao redor do sacrifício e consumi até mesmo as pedras do altar. Agora esse mesmo Deus, com esse mesmo poder, aparece, se manifesta, se dá a conhecer e fala por meio de uma brisa leve.
– Ouvindo Elias Deus falar, envolveu seu rosto no seu manto e se pôs à entrada da caverna. E eis que veio uma voz e disse Que fazes aqui Elias? (verso 13). E novamente a repetição do que fora dito no verso 10. – Senhor, eu tenho sido zeloso ... os filhos de Israel deixaram a aliança, derribaram os altares, e mataram os profetas e eu fiquei só e procuram tirar a minha vida. (verso 14). A palavra do Senhor é esta: – Vai, volta ao teu caminho para o deserto de Damasco e em chegando lá unge a Hazael rei sobre a Síria, a Jeú o rei sobre Israel e a Eliseu profeta em teu lugar. Pois também eu conservei em Israel três mil joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou. (versos 15-18).
Elias retoma seu caminho
A vida retoma o seu ritmo normal quando Elias retoma o seu caminho animado pela palavra de Deus. Quando de forma surpreendente ouve a voz do Senhor. Elias retoma o seu caminho, o seu ministério. Continua com medo, continua tomado de medo, mas agora não é o medo que o leva à frente. Agora é a companhia de Deus que o anima. É a reconsideração de que Deus está presente exatamente nas horas em que se precisa Dele. É isso que anima o profeta a ir adiante. Que anima profeta a continuar fazendo política. Que anima o profeta a continuar exercendo o seu ministério. A clamar contra os pecados do seu povo. A denunciar a opressão e a corrupção do reinado de Acabe. A denunciar a idolatria a Baal. O desvio em que Israel estava andando.
Elias retoma o seu caminho, se reencontra e sai de sua situação limite, do seu estado de quase morte, do seu desejo de desistir, do seu enfrentamento com a dificuldade. E retomando o seu caminho vai cumprir cabalmente o seu ministério. Vai levar adiante a sua vida. A vida vai voltar ao normal. Novas lutas, novas dificuldades. Novas situações se depararão na vida deste profeta, como se depara na vida de qualquer ser humano. Entretanto, ele saberá sempre que o Senhor, o Deus de Israel, se manifestará inusitadamente, inesperadamente, surpreendentemente.
Onde menos se espera, na situação onde menos se espera, Deus se manifesta. Porque sempre esteve ali. Porque sempre esteve amparando. Porque foi junto com Elias para baixo do Zimbro (arbusto). Porque o Senhor deitou com Elias ali. Porque Deus estava em companhia de Elias dentro da caverna. E quando Elias sai à porta da caverna Deus está ali falando com ele. A voz do Senhor é Deus presente na vida do profeta. Deus presente na vida de todos aqueles que confessam o seu nome.
Conclusão
Quero crer, e oro por isso, que ninguém esteja em uma situação tão delicada, tão conturbada, tão desesperadora quanto Elias. Mas se estiver, qualquer que for a situação, olhe nas coisas simples ao redor. Olhe nas manifestações que nos parecem insignificantes. Ao invés de olhar apenas os fogos de artifício, as bandas marciais, o festejo, olhe também para as coisas simples. Para as crianças, por exemplo. E veremos Deus presente. Ouçamos os sons inaudíveis em nosso mundo moderno e ouviremos a voz de Deus. Contemplar as paredes brancas de um hospital, o silêncio e a solidão do nosso quarto à noite. Naquele facho de luz que atravessa a nossa a janela pela manhã. E uma borboleta que pousa em nossa folhagem. Deus nos surpreende a todo o momento com a sua manifestação. Em qualquer situação.
Não conhecemos toda a vida de Elias. Mas essa situação limite foi registrada para que todos saibam que o Senhor Deus está presente onde menos esperamos. Está presente nas coisas que não observamos. Deus está presente entre nós nas coisas pequenas e insignificantes, olhemos, pois para elas e sigamos o nosso caminho com a graça do bom Deus.
Dr. José Roberto Cristofani
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domingo, 12 de julho de 2009
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