quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O salmista está enfermo – Salmo 41

Salmos 41

Introdução

Tenho diante dos meus olhos o Salmo 41. Nele aplico o meu coração. A ele devoto minha atenção. Percorro seus versos com a alma atenta, como quem anseia encontrar luz para o dia a dia.

Este salmo é uma porta. Porta que se abre para um aposento. O Salmo 41 abre, para mim, o quarto de um doente. Entro devagar e em silêncio. Meu espírito paira sobre o ambiente da enfermidade. O salmo me introduz em um cômodo no qual jaz uma pessoa doente.

Fico ali por uns instantes olhando aquela pessoa. Um misto de sentimentos brota em mim. Dó, piedade, insegurança, impotência. Este mix de sensações me empurra para fora do quarto. Duríssima visão. Ver alguém prostrado em seu leito. No momento em que ia sair já posto à porta, por não suportar o drama, a mão do Senhor tocou o meu ombro. Tocou-me o Senhor e eu permaneci ali no quarto.

No silêncio solitário daquele lugar fiz coro com a quietude. O bom de permanecer em silêncio é que se podem ouvir os próprios pensamentos. Sabe... tem gente dialogando dentro da gente. Basta parar para ouvir. E em geral essas conversas dentro de nós são muito instrutivas. Aprendemos muito com elas. Outra vantagem de se por quieto é que podemos escutar quem, sem palavras, está tentando nos dizer algo.

E é assim que me encontro com esta pessoa acamada do Salmo 41. Em silêncio. No silêncio. Com alguém em silêncio. É como uma breve pausa em uma sinfonia. Os instrumentos cessam por alguns segundos. Ouvimos os sons diminuírem até a quietude. Segundos de pausa. E logo os instrumentos retomam seus afazeres sonoros. E a sinfonia segue adiante.

Aqui neste quarto de enfermidade a sinfonia da vida está suspensa. É como se a orquestra do corpo humano exigisse uma pausa eloqüente. Fala a pausa silenciosa mais do que todas as palavras. E ponho não apenas meus ouvidos a escutar, ponho todo o meu ser a meditar.

Aos poucos começo a ouvir uma voz fraca, quase inaudível. Voz característica de quem está fragilizado. Redobro minha atenção. E as palavras vão se tornando frases. E as frases oração. É isso! Uma oração. O que posso ouvir agora claramente é uma oração. A súplica de uma pessoa enferma.

A Oração (vv. 4 – 10)

"Senhor tem compaixão de mim. Não qualquer compaixão, porém aquela que me possa sarar. Muito embora, Senhor, eu tenha pecado contra ti.”

Escuto o salmista levantar-se em prece e me sinto tocado pela sua súplica. Quisera eu poder atendê-la. E antes que esse desejo de ser Deus tome seu lugar em meu coração, as palavras "pequei contra ti" interrompem o ciclo. A justa percepção de sua condição faz a pessoa reconhecer a íntima relação entre compaixão e perdão. Ao colocar sua súplica em termos de "muito embora eu tenha pecado" manifesta, já, a graça do Senhor. Ouço, portanto, um doente que de saída se fia na compaixão do Senhor.

O meu companheiro de quarto vai destilando seus sentimentos. Quando paramos para ouvir de alguém como esta pessoa se sente em relação à sua situação, começamos a compreendê-la. A ela e a sua situação. Agora minha atenção está totalmente voltada para o salmista e sua oração.

Em tom de queixa ele vai abrindo seu coração. Sabe Senhor, meus inimigos falam muito mal de mim. Na verdade eles querem que eu morra mesmo. Desejam que minha vida caia no esquecimento, como um livro velho que ninguém leu.

Eu sei disso, meu Deus, porque um e outro dentre eles já veio me ver. Com a desculpa de vir me fazer uma visita, vêm aqui para me dizer bobagens. Também né, o coração deles está cheio de maldade, não é mesmo? A boca não fala do que está cheio o coração? Então... é isso que falam quando vão embora.

Viu Senhor, eles me odeiam. E entre si ficam cochichando maldade. Eles imaginam o pior para mim. Chegam mesmo a dizer que uma coisa muito ruim foi despejada sobre mim. Chamam a isso de o "mal de Belial". Coisa ruim mesmo. E por cima ainda proferem a sentença: prostrado na cama ficará e não mais se levantará. É isso Senhor, o que me desejam os meus inimigos.

Sabe meu Deus, os inimigos agirem assim eu posso até entender, pois são inimigos mesmo. Contudo e isso é o que mais me dói, o meu melhor amigo me deu as costas. Nós vivíamos em paz. Eu confiava nele. Ele comia na minha mesa, mas levantou contra mim o seu calcanhar. Isso é demais para mim.

Ao ouvir essas queixas do salmista vejo confirmada minha sensação. Aquela sensação de que quem está no leito de enfermidade está só. A solidão da pessoa acamada é uma condição dolorosa. Dolorosa fisicamente, pois precisa de cuidados médicos. Dolorosa emocionalmente, pois necessita do afeto das pessoas chegadas. Dolorosa mentalmente, pois requer desabafar as suas angústias. Dolorosa espiritualmente, pois demanda consolo e perdão do Senhor. A solidão do enfermo é tão mais dolorosa tanto mais nos afastamos dele. Nós que somos seus chegados. Nós, amigos e parentes.

Eu já fiquei internado algumas vezes. Quando estive na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo estive só. Senti a solidão me fazer companhia. Naqueles dias no hospital só tinha um desejo: Que a porta do quarto se abrisse e que fosse mamãe a me visitar. Mamãe ou alguém da minha família. Porém, um dia aconteceu o que eu mais temia. A porta do quarto se abriu muitas vezes e mamãe não veio. Nem ela nem ninguém. Aquele dia me senti muito, muito sozinho.

Por ser ainda criança, não compreendia que o Senhor estava por ali. Todavia, o salmista o sabe muito bem. Sabe e o diz: Apesar do abandono, Senhor, tu tens compaixão de mim e me levanta. E nisto vejo que me queres bem, pois o desejo dos meus inimigos de que eu morra não se concretiza. Quanto a mim, meu Deus, tu me ajudas, pois procuro viver na integridade. Assim, tu me pões em tua companhia permanentemente.

Agora, depois de ouvir estas palavras silenciosas, me sinto confortado pelo enfermo que estou a observar neste quarto. Penso que já está na hora de deixá-lo repousar. Acho que já ouvi o que esta pessoa tinha a dizer. E lentamente me dirijo à porta que ainda permanece aberta.

A placa na porta (vv. 1 – 3)

Próximo a saída percebo uma placa na porta. Não havia notado esta placa. Aproximo-me e posso ler: "Feliz daquele que cuida do necessitado". São letras grandes. Inclino-me e posso ver as letras menores: "O Senhor o livra em tempos de adversidade, protegendo e preservando-lhe a vida. Não o deixa à mercê dos seus inimigos. O Senhor o assiste no leito de enfermidade e o restabelece quando cair de cama".

Fico bastante surpreso com os dizeres da placa do quarto. Bem aventurado o que cuida do necessitado. Eu estava aqui, neste quarto com o salmista enfermo. Achei que isto era suficiente. Pensava que apenas observar era suficiente.

Entretanto, aprendo agora, antes de deixar o aposento do salmista, que é preciso cuidar. Quando alguém jaz enfermo é necessário acompanhá-lo de cuidados. Pois grande recompensa há em fazer isso. Recompensa do próprio Deus. Do cuidado do Senhor. Da sua companhia. Do seu amparo, presença e restauração.

Saio do quarto deste enfermo entoando o mesmo louvor a uma só voz com o salmista: Bendito seja o Senhor (v. 13).

José Roberto Cristofani
www.sapiencial.com.br

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